sexta-feira, 20 de julho de 2012

Aos amigos,com amor

E lá estava a garota de volta para si mesma.Foi tanto tempo fora,que quase não soube voltar.
Se olhou no espelho e viu outra pessoa - seus olhos eram mesmo desse tamanho?Há quanto tempo possuia aquelas olheiras?Não sabia. Não sabia mais quem era.
Mas estava convicta de que deveria voltar. Tinha que voltar pra reparar alguns danos. Tinha que fazer algo pra se resgatar.

Quando se propôs ir embora,deixou a identidade pra trás.Estava disposta a viver a vida de outras pessoas,provar o gosto de outras coisas. Viveu 100 anos fora de si,viveu errando por caminhos contrários a tudo que havia planejado. Viveu sem pensar em maiores prejuízos.

Todos diziam que a garota era uma pessoa decente. Tinha um trabalho,uma família e um amor só.Vivia vida de gente comum.
Se sentia completamente ordinária.

Olhava pras pessoas como se elas não fossem como ela.Teria ela aqueles dois olhos?Aquelas roupas,aqueles sorrisos tão...pequenos?

Vive seu 100 anos dentro de um corpo estranho,com pessoas ao redor que não se identificava, com vidas que não entendia.
Foram 100 anos sem viver maiores ilusões.

Tudo foi sempre muito esperado.Depois de se formar,logo arranjou um emprego respeitável,manteve relacionamentos estáveis com pessoas dignas de se relacionar.
Tudo formado de vocabulário sem sentido, de palavras que se construíam sob o contrário do que esperava que realmente significassem.

Enfim.

Um belo dia,acordou disposta a ser verdadeira consigo mesma.Olhou ao redor e viu mentiras espalhadas por cada canto.Enfiou-as todas no bolso para que não se esquecesse e partiu.
Sem levar nada além do que realmente precisava.

Saiu sem rumo, e a cada passo que dava,avistava pessoas e lugares feitos de mentirinha, tudo feito de coisa triste.
E não se encontrava.

Eu disse que ela quase não soube tomar o caminho de volta. Mas continuou tentando achar essa coisa qualquer que a lembrasse de onde veio,de quem era.

Levou mais 100 anos pra encontrar qualquer coisa.

Se sentia derrotada pelo tempo e sentou-se em um canto,fechou os olhos e olhou para dentro dos seus órgãos-foram anos de completa solidão,que a ensinaram bem a olhar pra dentro dos seus órgaos.
Ainda havia um coração enorme e ar fresco nos pulmões- quis morar ali por um instante, dentro de si.

Mas abriu os olhos e avistou um pássaro azul que pousou sob suas pernas.O pássaro conversava e ela entendia porque seus 100 anos de caminhada a ensinaram a compreender qualquer som.
- Você pode caminhar por mais mil anos e mesmo assim continuará encontrando pessoas e lugares estranho a seus olhos.Nenhum lugar nesse mundo jamais será só seu, portanto se arranje com o que tem.
O pássaro usou essa doçura rara nas palavras duras que não causam dor.
Resolveu finalmente lidar com o inevitável.
Pensou que ainda havia de entender melhor essas palavras que gente usava, e acabasse por identificar nelas algo que a fizesse lembrar dela mesma, e que talvez só assim, ela poderia se libertar dessa solidão.
Despediu-se e caminhou com esses novos pés, esse novos ares, e não demorou pra encontrar um grupo de pessoas que tinham aqueles mesmo dois olhos que há 100 anos não reconhecia.Se aproximou e percebeu em algumas pessoas sorrisos que não eram pequenos...e olhos que não eram dois,e sim um milhão (como achava que possuía).
Sentiu alívio.
E foi esse o momento em que decidiu se misturar à pequena multidão e mostrar os dentes, a palma das mãos.
Foi esse o momento em que se sentiu parte de algo muito maior,onde encontrara a clareza que há duzentos anos não tivera.

Continuou caminhando - agora de mãos dadas -
Pelo percurso ,deixou cair dos seus bolsos aquelas mentiras que outrora colecionava.
Se desfez de tudo aquilo.

Olhando o infinito,se lembrou do pássaro e daquelas palavras doces que agora faziam tanto sentido.
Entendeu, afinal que agora não precisava mais caminhar sem rumo.Que não precisava mais fechar os olhos e insistir por tanto tempo em olhar para seus próprios pulmões e seu coração enorme.
Ela podia olhar com os olhos,e se encontrar em outros corações, e respirar em outros ares.

E assim o fez.

E assim soube o caminho de volta.

E nunca mais foi só.Nunca mais foi uma.
Era dona de si mesma,enfim.
E viveu mil anos...em dias.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Adormecendo o hipotálamo.


A melhor providência a se tomar em tempos de reclusão,é tomar doses diárias de anestesia geral.

Contudo que ainda pense em si mesmo, é uma ótima estratégia no exercício de sublimar a vida.

A proposta não podia ser mais feliz. Propor um alienamento total,uma falta de consciência da vida que o cerca, traz bem estar quase instantâneo a aqueles que se perderam,que se separaram, que vagam por aí sem direção.

Surge então o interesse em saber – por onde começar?

"Anestesiar-se a si próprio" exige mais do que qualquer outra coisa,força de vontade e foco.Não poderá haver dúvidas do que quer pra si mesmo.É ser só?É?Então prossiga.

Comece por pensar que hoje é o que você tem.Além disso,você não tem mais nada.

Acorde decidido a ser racional por uns  tempos.Engula as lágrimas – decida parar de chorar...por uns tempos.

Pense na felicidade como uma escolha diária.Você acorda e tem só dois caminhos:Serei Triste ou serei alegre?Por um dia tente com vontade ser a segunda opção.

Após decisão total,é tempo de guardar o passado dentro de uma caixa,no fundo do armário.Recordações não serão bem vindas por ora, e você,como um novo ser racional, não se apega a mais nada.

Escondeu de si mesmo qualquer vestígio?Prossiga.

O seu tempo agora é dividido em trabalho e bem estar.Liste uma infinidade de coisas que o ajudam a se sentir bem. A sua casa não será seu templo,será por uns tempos somente o lugar que você dorme e come (Tente se aventurar por outras bandas).

Relembrando sempre que agora você é um ser munido da razão, evite sentimentalismos.Não procure coisas,filmes,ambientes e ou pessoas que instigam sua insegurança,que despertam sensações impulsivas e românticas. Relacione—se a coisas,filmes ,ambientes e ou pessoas que estejam na mesma freqüência que você e que o estimule a não pensar.

Adormeça o hipotálamo.

Conduza seus pensamentos ao nível de egocentrismo “blaster”.Saiu do trabalho,arrume coisas agradáveis a você.Eleve a condição de ser fútil ao indispensável.Investimentos temporários e materiais provocam a sensação de saciedade no organismo de quem não tem mais o que nutrir.

E por incrível que pareça,com o passar dos dias as doses diárias de todo esse desapego,passa a fazer efeito.E sentido.

Não.Não acho que precisamos ser intensos todo o tempo.Não precisamos ser interessantes,idealistas,espiritualizados e dedicados ao bem comum o tempo todo.Há tempos que devemos parar de tentar ser qualquer coisa, achar qualquer coisa, para enfim não ser absolutamente nada.

Eu escutei em algum lugar que devemos nos reduzir a cinzas para enfim nos tornarmos alguém novamente. Anestesiar-se por um tempo não é se esconder,não é se afugentar (ou que seja).É simplesmente parar de ser.

E então ,após tempos buscando por nada, economizando nada,amadurecendo nada, heis que surge a estranha necessidade de” se dar alta”.

Anestesiar-se cansa. Sente-se uma vontade enorme de ocupar um espaço,de fazer uma diferença,de compartilhar a vida com alguém, de trocar experiências, de encher a cabeça de idéias novas,de crescer intelectualmente,de se espiritualizar,se humanizar e chorar...chorar..chorar.

Quando finalmente nos damos alta,após uma fase em inércia, voltamos a realidade massacrante dos seres evoluídos.Não basta deixar a vida levar, tem que se levar a vida,mesmo que a mesma venha com acréscimos diários de dívidas,dúvidas e envolvidos.É isso.Chega o tempo de nos envolvermos com o “resto”novamente.

E não há de quê.

Sugestões serão sempre questionáveis.Não que eu ache que minhas opiniões estão livres de readaptações mil,de questionamentos mil – só tento exprimir o que funciona pra mim. Certo ou errado,absurdo ou prático, regredir e aprimorar na minha vida é como um ciclo sem fim.

E tem funcionado.

Use,se quiser (e se precisar).