Numa segunda-feira – vale ressaltar que não era uma segunda
qualquer , porque era carnaval – nasceu uma garota.
Nascer, em dia de festa, talvez já justificaria os anos que
viriam, pois a medida que a garota crescia, se mostrava distinta, extrovertida,impulsiva – típica nativa de segundas-feiras de carnaval.
Tivera sorte na vida.
Em festa veio ao mundo, e por aqui permaneceu, cercada por
grandes exemplos, infinitos amores.
Não lhe faltava
motivos pra não se tornar a garota que deu certo.
E foi de forma bem estruturada , e foi de vida bem linear a vida
que se formou.
Da boa escola, pra faculdade, pro trabalho, pros amores.
Cultivou hábitos saudáveis, enchendo sua cabeceira de livros
e os devorando todos, com ansiedade.
E nunca lhe faltava outros prazeres, não tão saudáveis, mas
que a fizeram conhecer outros grandes exemplos e obter infinitas inspirações.
Faltou limite e por isso vez ou outra faltava grana, mas
ainda assim sempre havia lugar e gente pra acolher, apoiar.
Questionar a vida soava como blasfêmia.
O quê haveria de faltar a essa garota?
De qualquer forma, e ainda assim, blasfemava. Questionava os
rumos que tomou e os que deixou escapar, todos os dias, desde o momento em que
descobriu que poderia pensar por si mesma.
-Talvez por culpa dos livros na cabeceira, ou quem sabe a
vida tão linear que levou-
Os dois lados tão
distintos de uma mesma moeda. O que é muito, ainda assim nunca é suficiente.
Nascera no carnaval, e os cinco dias nunca lhe bastavam. O
nascimento era por si só tão glorioso, que teimou em festeja-lo todos os outros
dias , onde todo carnaval nunca teve seu fim.
Sempre sentia que sua vida estava a beira da mediocridade, e por vezes vivia ao
avesso – só pra garantir outras perspectivas.
Insistia, internamente, em se tornar algo maior do que fora
previsto. Viver além do que viveu nos últimos (todos) anos de sua preciosa
vida.
Olhava insistentemente para o relógio – tinha a impressão
que ainda lhe faltava um bom tempo.
E surgia o espelho, para desmascará-lo. E ainda assim, ainda
teimava.
Sentia que só precisava de uma única resposta para alcançar
a plenitude. Precisava saber o que a fazia diferente de todas as outras
pessoas. Precisava de uma razão.
Questionamento que martelava e tomava todo e qualquer tempo,
enquanto o espelho parecia dissolver
todas as horas que restavam.
E ainda assim a vida correu, escorreu , sem voz que respondesse ,
que aliviasse.
E continuou a viver conforme o previsto, avessos que com o
tempo se exauriram com o cansaço, pequenos e belos prazeres – vez ou outra.
De qualquer forma, nunca se esquecera de que ainda assim era
uma garota de segunda feira de carnaval, e isso bastava para que prosseguisse,
ininterruptamente vivendo.
E o relógio se cansou. Entrou num acordo com o espelho.
Queria e de certa forma alcançou alguma conquista. Nasceu e
partiu em segunda de festa, sem nunca ter se esgotado nas quartas- feiras
cinzentas.
E a vida não lhe pareceu medíocre ao cerrar os olhos, e a
paz se fez presente sem presenteá-la com
qualquer resposta, afinal.