sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Pra tudo que vai e fica.

Eu quero a sorte de viver mais anos.
De chegar no final de um trajeto e mesmo assim enxergar um caminho que se perde no infinito.
E quero poder levar comigo as boas surpresas que colhi ao longo do percurso.
Chegar no fim de todos os anos com a sensação de recomeço.
Carregar meus erros no bolso pra nunca me esquecer de nenhum deles - e continuar com aquele prazer imenso de errar, só pra poder consertar lá na frente.
E quero sorrir quando olhar pra trás. Transformar aqueles vacilos,aquelas perdas e aqueles quilos em uma bela história de ano velho.
Quero tudo de novo!Quero tudo novo! Quero tudo velho! Quero a imensidão de uns 25 anos bem vividos e bem guardados numa caixinha de fósforo!
Quero colecionar vidas!
Quero sossegar num colo, beijar uns olhos sorridentes,capturar almas descrentes,vivenciar amor, transcender num sexo, sublimar a dor,compartilhar planos,praticar desapegos, me apegar a desejos,sonhar acordada, amar sendo amada, mergulhar num azul, pular de uma fase, me jogar num som.
Colecionar histórias!
E tudo tudo tudo...
E mais e mais e mais...
Vem comigo! Respira comigo!
Sente o cheiro de café fresquinho. Escuta o som do vento que te traz boas novas...
Senta aqui pra ver gente chegando,vai lá despedir de quem tá indo.
Mas fica inteiro e olha pra frente.
Vamo ver a vida chegar mais uma vez...

E que venha e que me encontre nessa minha doce confusão de quereres...

( E eu desejo tudo em dobro pra quem desejo bem)

Vão bora. ♥

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Registros e apelos

Eu posso quase tocar seu cheiro
Arranhar seu gosto,
Lamber sua pele.

Posso sentir a sua presença num rastro,
Numa ausência,
Num repente.

Seus dedos me faltam percorrer a alma,
Assim que a sua saliva me desvenda o gozo.

Decifra-me e me engole.

Deposita seus olhos em mim,
Me converta em chamas.

E faça calar os sentidos,
E matar os juízos,
E adormecer a pressa.

Apague o meu amanhã.

Porque eu posso lamber seu cheiro
Tocar seu gosto,
Arranhar sua pele.

Você, que nem sequer existe,
Eu, que nem (por ora) amo.

Simplesmente persiste.

E mesmo que só viva enganos,
E mesmo que não exista planos,
Deixo registrado aqui meus apelos
Pra que você os manifeste todos,

Assim que chegar.

Às vezes na escuridão eu me perco.
Fico questionando a vida,
Os rumos que tomei.
Indago-me, sobretudo, sobre aqueles caminhos que não percorri,
E sobre as vidas que não vivi,
E os porres que não tomei.

A escuridão me traz essa clareza.

Fica nítida a inquietude que mora em mim.
A inconstância dos meus passos,
A incoerência dos meus desejos,
A forma como eu nunca me resolvi.

E é nessas noites que me percebo.
Que noto o quanto de vida ainda mora em mim.
E o quanto de vida deixei cessar
No tempo em que fiquei só a espreita,
Na janela daquele quarto,
Vivenciando o escuro e os efeitos que isso me causa.

Deixarei cessar quando necessário
Talvez assim, na clareza do breu,
Eu finalmente saiba qual novo caminho tomar.
E qual velho rumo hei de escapar,
E qual outra vida hei de viver.

Tudo assim acontecerá
No instante em que a noite chegar
E me calar os passos
E me interromper a voz
E me gritar os olhos
Na mesma velha janela daquele quarto sem luz.
Eu tenho medo.
Receio que meu melhor não se sobressaia
Se acima de tudo,eu sou menos ?
Se o que eu transpareço,não ultrapassa o que os olhos vêem?
E se o coração não sente?
Até onde eu consigo chegar?
As vezes sinto que estou prestes a conquistar algo maior.
Mas só estou prestes.
E consecutivamente eu morro na praia - ali,bem perto da sombra.
Me disseram que é porque Deus tem propósitos maiores pr
a mim.
Eu gostaria de descobrir do que são feitos, e onde moram - e como eu deveria alimentá-los.
Porque cansa forçar um passo e não vencer a inércia.

E eu só sei que não gostaria de continuar por aqui.
E Gostaria de viver por uns dias sem um pingo de receio - de curtir o resultado dos inúmeros caminhos - de não me bastar com só um.
Prezo por um coração que me enxergue além do casco - e que ele sinta!
E que eu sinta.
E que eu alcance a sombra, alcance a conquista.
E que o propósito seja só o que eu tenho em vista.
E que nem a física seja capaz de impedir meus sonhos.

E que nada disso se transforme somente em uma prece.

Entretanto e de qualquer forma....

Amém.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

De dentro pra fora


‎"Fernanda, seu percentual de gordura está acima da média. Temos que dar um jeito,procurar algo que te motive a perder peso, a mudar seus hábitos."

Tá. Vamo lá.

Primeira tentativa. Academia.

"Vamos trabalhar muito em cima de aeróbico pra dar aquela secada, com doses iniciais de musculação. Spinning pode auxiliar na queima rápida de gordura, talvez implementando aulas de yoga pode propiciar equilíbrio entre a mente e o corpo, e umas aulas de aero bahia ,body kombat, jump, pra você quebrar o gelo e se divertir pacas enquanto fica gostosa e saudável. No final você vai ficar viciada em endorfina, e quando menos esperar , vai tá gostosa e saudável. Hein,hein?"

Tá.

Nas primeiras semanas - 6 vezes na semana de pura dedicação. 1 chocolate por dia, no máximo.
3 meses depois - 6 chocolates por dia, 1 dia da semana reservado pra tirar aquele peso da consciência em 30 minutos andando numa esteira (academia lotada,paciência esgotada)

Segunda tentativa. Reeducação alimentar.

Cereais pro intestino. Salada como molhos de ervas finas. Quem precisa de carboidrato? Frutas da estação - a nova onda do momento. Adoçante no suco. Comer feito passarinho de 3 em 3 horas. Alimentos sólidos?No,gracias. Vamos de shake (sabor chocolate,baunilha,côco,milho verde,alho poró). Água com gás gelo e limão substitui cerveja e vinho perfeitamente. Picanha sangrando é coisa do passado.Carne branca,queijo branco,cocô verde - super tendência.

"A gente precisa reeducar seu organismo. Você vai ver, depois de um tempo você vai perceber que seu paladar não tem mais necessidade dessas porcarias. Você vai aprender a se abdicar e se tornar uma gostosa saudável. Hein,hein?"

Tá...

Primeiros 5 dias - Não saio de casa, dia cronometrado, barrinhas de cereal na bolsa quando aquela vontade de ir no burguer king bater. Trabalho - casa. Nem paro pra ver as novas guloseimas na maquininha do lado da minha sala. Não... não.
Sexta a noite - Festa. 1 água com gás gelo e limão. Uma empadinha de alho poró me parece pouco calórica. O estoque de barrinhas de cereal na bolsa acabou. Tá...duas cervejas...talvez 4 (porque o que engorda é o tira gosto).
Sábado -buteco : 1 dia todo sem comer, pq se eu só beber...
Domingo - Feijoada na casa da vó. Porque a gente tem que ter o dia de lixão...certo?

Próxima semana - Tpm. Uma caixa de bombom e decido me reeducar na primeira segunda feira de 2014.

Terceira tentativa ( e última) . Terapia+ Endocrinologista
(Primeira segunda de 2014)

"Ansiolíticos"
" Tireoide normal. Vamos tentar reeducação alimentar. Talvez sibutramina te ajude a controlar no princípio."

Primeiro mês - Contas exorbitantes só de remédios .Inibição de apetite.Sonolência durante o dia. 4 kg a menos...incentivo pra não beber.Isso funciona...
Segundo mês - Remédios só se toma 4 vezes na semana porque remedio pontencializa o efeito do alcool...
Meses seguintes - Quem que eu tô querendo enganar? Quando eu parar de tomar tudo isso,vou engordar o triplo! Melhor ficar assim do que três vezes assim... né?

Estaca zero.

Livro interessante na estante - Passo dias lendo sem notar o chocolate que tá ali na cabeceira da cama.
Conversas construtivas na mesa de um bar - copo sempre na metade, palavras tomam o espaço do tira-gosto, gargalhadas desintoxicando o fígado.
Explorando cachoeiras com os amigos - um sobe e desce de pedras, "tchibuns" na água gelada, verde que enche os olhos...trilhas que revigoram a mente...o cansaço gostoso substituindo ansiedades.
Música boa tocando - corpo remexendo,corpo suando, fígado desintoxicando, litros de água matando a sede, cansaço gostoso quando se deita na cama, sono pesado sem pit stop pra assaltar a geladeira a noite.

Enfim.

O segredo:
(aquele que não se mede com "polar",aquele que não se conta na tabela de calorias, nem se vê na bula de um remédio)

Alimente-se muito!

Alimente sua alma de inspirações.
Alimente seu coração de sensações agradáveis.
Alimente seu corpo de música e companhias.
Alimente sua mente de idéias, seu olhos de palavras, imagens,cores.
Alimente sua boca de boas conversas, alimente seus dedos com lápis apontado num papel em branco.

Reeduque seu cérebro.
Desbrave seus dons.
Recrie sua rotina.
Fuja do ócio.
Mantenha-se positivo.

Aí...talvez, quando você, eu, todo mundo, aprendermos a nos desligar do que é necessário pra vivenciar o que realmente queremos....e nos descobrirmos por dentro,e finalmente gostarmos do que vemos por dentro...

Nos amaremos (a nós mesmos)

E aí sim. Aí a gente vai querer botar a beleza pra fora e mostrar pra todo mundo. Aí a gente vai correr atrás de mais alguns anos de vida e vamos querer ser saudáveis pra isso...à medida que toda aquela ansiedade de "ter que ser" for embora...

A tentativa vai virar conquista.

E o alívio de se pertencer...reinará.

- De dentro pra fora.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Sobre o que se foi, sobre o que ficou -"pequenas" sensações sobre uma viagem astral.

Essa é uma história sobre encontros de almas.
Nos acolhemos porque precisávamos na mesma medida e em diferentes formas.
Uma foi em busca do alívio,
A outra foi em busca de idéias,
A terceira em busca de aceitação,
E eu,a última, em busca de respostas.

Todas nós em busca do encontro.

Carregamos na bagagem espíritos livres,corações abertos,desejos sem grandes propósitos.

E seguimos para o presente.

Deixamos pra trás o que era feito de dor. Simplesmente nos escolhemos pra isso.
Ou será que já éramos escolhidas?
Caminhos que se cruzaram, isso eu sei que foi.

Fomos levando nas mochilas chinelo,pouco dinheiro,poucas ambições.
No coração desapego e uma vontade imensa de se libertar do caos.
Nas mãos uma máquina.
Na cabeça cerveja,cigarros e só.

Entretanto a surpresa vem de onde a gente menos espera.Nos momentos em que a gente menos espera.
A surpresa sublime encontramos ali. No verde,na queda d'água,num salão feito de pedras.
Encontramos ali,no meio de gente com olhos feito jabuticabas molhadas.
A surpresa nos sorrisos compartilhados...aqueles que vêem da alma!

E talvez vimos aquilo que quase não se vê.
Vimos uma câmera captar a essência de uma vida compartilhada.

Vimos nossos corpos se abraçarem às pedras e dançando sobre elas, agradecidas,sentimos a presença de um Deus.

Vimos vidas se transformando em meio ao despropósito.

O grande encontro de quatro mulheres na idade,
meninas na leveza,
e velhas no espírito.

A vida que se manifesta em pequenas passagens,
Que se justifica na falta de pretensão em se explicar.

Olhares até então voltados ao presente,voltaram a olhar pro infinito.

Resgatamos a esperança de dias melhores.
Nos apropriamos das tais jabuticabas molhadas (do brilho que emanava delas...)
E retornamos,refeitas.

E que Deus nos perdoe por excessos cometidos.
Não houve busca sem retornos construtivos.

Agora não precisamos correr o mundo para o conquistarmos. Nós presenciamos a essência.

Quatro histórias compartilhando uma.
Um trecho do caminho - pequeno e suficiente.

E a trilha sonora fez todo o sentido. Escritas,trocadas,compartilhadas quando preciso foi.
Pequenos detalhes reunidos e reconhecidos de forma sublime - nossa sublime surpresa.
(Falo por mim, que nunca cheguei tão perto de mim mesma)

E entre lavadeiras (o que não se explica), aulas de tai chi, lágrimas e abraços,nos batizamos com outros nomes e com novos sonhos.No fim nos abençoamos, nos protegemos.

Quatro mulheres se apropriaram de um mesmo espírito.
Houve uma que doou cuidados,
A outra ofereceu a calma,
A terceira propôs leveza
E eu,a  última, que não levei coisas tão grandes, entreguei um coração ansioso por fazer parte de algo maior.

E foi assim que deixamos,em cada lugar que passamos, um pedaço de cada uma.

Uma deixou o peso que carregava,
A outra se desfez da angústia do futuro,
A terceira a dor de não se bastar
E eu, a última, deixei morrer a espera que me cegava.

Trocamos tudo pela vontade de não possuirmos tudo.
E Deus esteve ali.
E houveram olharem acolhedores,criaturas cercadas de luz,pessoas interessadas em vivenciar a alegria a que nossos corpos se entregavam.

Voltamos levando na mochila bagagem que não se compra,
No coração respostas que nunca nos deram,
Na cabeça, renovação e paz - que só os que buscam,alcançam.

A que procurou alívio,encontrou em si mesma o antídoto.
A outra que buscou idéias,fez de si mesma inspiração.
A terceira que desejou aceitação,a reconheceu quando se olhou no espelho.
E eu,a última,que busquei respostas, encontrei nas trêscompanheiras de viagem outras verdades que iam muito além do que podia alcançar.

Quatro almas,
Quatro dias.

O suficiente para nos encontrarmos,enfim.


(essa é uma história que não tem fim - e isso é a minha prece...)

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Adiante.


E quem vai estar la
para assumir suas culpas,
para tirar suas angústias,
para diminuir o peso de ser um só.

 E quem estará
quando não houver mais desculpas
quando nãou houver mais razões pra ficar

Alguém tem que estar!
pois se eu dobrar mais uma esquina
e não avistar nada adiante
talvez eu recue
talvez eu pare
talvez eu desista

Porque caminhar sem destino
é cansativo demais.

Caminhar sem espera
sem busca
sem chão

E estar sempre lá!
pro outro que nunca vem.
pro outro que não permanece
que só passa,marca,vaza.

Angústia de responder por si mesmo.
Sempre,sempre a espera de alguém que compartilhe.

Vontade que não cessa.
Que não esquece.

Há de encontrar do outro lado da rua
A paciência.
A calma
A beleza de ser.
De ser só e finalmente se bastar.

Mas quem,
quem estará lá.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Aos amigos,com amor

E lá estava a garota de volta para si mesma.Foi tanto tempo fora,que quase não soube voltar.
Se olhou no espelho e viu outra pessoa - seus olhos eram mesmo desse tamanho?Há quanto tempo possuia aquelas olheiras?Não sabia. Não sabia mais quem era.
Mas estava convicta de que deveria voltar. Tinha que voltar pra reparar alguns danos. Tinha que fazer algo pra se resgatar.

Quando se propôs ir embora,deixou a identidade pra trás.Estava disposta a viver a vida de outras pessoas,provar o gosto de outras coisas. Viveu 100 anos fora de si,viveu errando por caminhos contrários a tudo que havia planejado. Viveu sem pensar em maiores prejuízos.

Todos diziam que a garota era uma pessoa decente. Tinha um trabalho,uma família e um amor só.Vivia vida de gente comum.
Se sentia completamente ordinária.

Olhava pras pessoas como se elas não fossem como ela.Teria ela aqueles dois olhos?Aquelas roupas,aqueles sorrisos tão...pequenos?

Vive seu 100 anos dentro de um corpo estranho,com pessoas ao redor que não se identificava, com vidas que não entendia.
Foram 100 anos sem viver maiores ilusões.

Tudo foi sempre muito esperado.Depois de se formar,logo arranjou um emprego respeitável,manteve relacionamentos estáveis com pessoas dignas de se relacionar.
Tudo formado de vocabulário sem sentido, de palavras que se construíam sob o contrário do que esperava que realmente significassem.

Enfim.

Um belo dia,acordou disposta a ser verdadeira consigo mesma.Olhou ao redor e viu mentiras espalhadas por cada canto.Enfiou-as todas no bolso para que não se esquecesse e partiu.
Sem levar nada além do que realmente precisava.

Saiu sem rumo, e a cada passo que dava,avistava pessoas e lugares feitos de mentirinha, tudo feito de coisa triste.
E não se encontrava.

Eu disse que ela quase não soube tomar o caminho de volta. Mas continuou tentando achar essa coisa qualquer que a lembrasse de onde veio,de quem era.

Levou mais 100 anos pra encontrar qualquer coisa.

Se sentia derrotada pelo tempo e sentou-se em um canto,fechou os olhos e olhou para dentro dos seus órgãos-foram anos de completa solidão,que a ensinaram bem a olhar pra dentro dos seus órgaos.
Ainda havia um coração enorme e ar fresco nos pulmões- quis morar ali por um instante, dentro de si.

Mas abriu os olhos e avistou um pássaro azul que pousou sob suas pernas.O pássaro conversava e ela entendia porque seus 100 anos de caminhada a ensinaram a compreender qualquer som.
- Você pode caminhar por mais mil anos e mesmo assim continuará encontrando pessoas e lugares estranho a seus olhos.Nenhum lugar nesse mundo jamais será só seu, portanto se arranje com o que tem.
O pássaro usou essa doçura rara nas palavras duras que não causam dor.
Resolveu finalmente lidar com o inevitável.
Pensou que ainda havia de entender melhor essas palavras que gente usava, e acabasse por identificar nelas algo que a fizesse lembrar dela mesma, e que talvez só assim, ela poderia se libertar dessa solidão.
Despediu-se e caminhou com esses novos pés, esse novos ares, e não demorou pra encontrar um grupo de pessoas que tinham aqueles mesmo dois olhos que há 100 anos não reconhecia.Se aproximou e percebeu em algumas pessoas sorrisos que não eram pequenos...e olhos que não eram dois,e sim um milhão (como achava que possuía).
Sentiu alívio.
E foi esse o momento em que decidiu se misturar à pequena multidão e mostrar os dentes, a palma das mãos.
Foi esse o momento em que se sentiu parte de algo muito maior,onde encontrara a clareza que há duzentos anos não tivera.

Continuou caminhando - agora de mãos dadas -
Pelo percurso ,deixou cair dos seus bolsos aquelas mentiras que outrora colecionava.
Se desfez de tudo aquilo.

Olhando o infinito,se lembrou do pássaro e daquelas palavras doces que agora faziam tanto sentido.
Entendeu, afinal que agora não precisava mais caminhar sem rumo.Que não precisava mais fechar os olhos e insistir por tanto tempo em olhar para seus próprios pulmões e seu coração enorme.
Ela podia olhar com os olhos,e se encontrar em outros corações, e respirar em outros ares.

E assim o fez.

E assim soube o caminho de volta.

E nunca mais foi só.Nunca mais foi uma.
Era dona de si mesma,enfim.
E viveu mil anos...em dias.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Adormecendo o hipotálamo.


A melhor providência a se tomar em tempos de reclusão,é tomar doses diárias de anestesia geral.

Contudo que ainda pense em si mesmo, é uma ótima estratégia no exercício de sublimar a vida.

A proposta não podia ser mais feliz. Propor um alienamento total,uma falta de consciência da vida que o cerca, traz bem estar quase instantâneo a aqueles que se perderam,que se separaram, que vagam por aí sem direção.

Surge então o interesse em saber – por onde começar?

"Anestesiar-se a si próprio" exige mais do que qualquer outra coisa,força de vontade e foco.Não poderá haver dúvidas do que quer pra si mesmo.É ser só?É?Então prossiga.

Comece por pensar que hoje é o que você tem.Além disso,você não tem mais nada.

Acorde decidido a ser racional por uns  tempos.Engula as lágrimas – decida parar de chorar...por uns tempos.

Pense na felicidade como uma escolha diária.Você acorda e tem só dois caminhos:Serei Triste ou serei alegre?Por um dia tente com vontade ser a segunda opção.

Após decisão total,é tempo de guardar o passado dentro de uma caixa,no fundo do armário.Recordações não serão bem vindas por ora, e você,como um novo ser racional, não se apega a mais nada.

Escondeu de si mesmo qualquer vestígio?Prossiga.

O seu tempo agora é dividido em trabalho e bem estar.Liste uma infinidade de coisas que o ajudam a se sentir bem. A sua casa não será seu templo,será por uns tempos somente o lugar que você dorme e come (Tente se aventurar por outras bandas).

Relembrando sempre que agora você é um ser munido da razão, evite sentimentalismos.Não procure coisas,filmes,ambientes e ou pessoas que instigam sua insegurança,que despertam sensações impulsivas e românticas. Relacione—se a coisas,filmes ,ambientes e ou pessoas que estejam na mesma freqüência que você e que o estimule a não pensar.

Adormeça o hipotálamo.

Conduza seus pensamentos ao nível de egocentrismo “blaster”.Saiu do trabalho,arrume coisas agradáveis a você.Eleve a condição de ser fútil ao indispensável.Investimentos temporários e materiais provocam a sensação de saciedade no organismo de quem não tem mais o que nutrir.

E por incrível que pareça,com o passar dos dias as doses diárias de todo esse desapego,passa a fazer efeito.E sentido.

Não.Não acho que precisamos ser intensos todo o tempo.Não precisamos ser interessantes,idealistas,espiritualizados e dedicados ao bem comum o tempo todo.Há tempos que devemos parar de tentar ser qualquer coisa, achar qualquer coisa, para enfim não ser absolutamente nada.

Eu escutei em algum lugar que devemos nos reduzir a cinzas para enfim nos tornarmos alguém novamente. Anestesiar-se por um tempo não é se esconder,não é se afugentar (ou que seja).É simplesmente parar de ser.

E então ,após tempos buscando por nada, economizando nada,amadurecendo nada, heis que surge a estranha necessidade de” se dar alta”.

Anestesiar-se cansa. Sente-se uma vontade enorme de ocupar um espaço,de fazer uma diferença,de compartilhar a vida com alguém, de trocar experiências, de encher a cabeça de idéias novas,de crescer intelectualmente,de se espiritualizar,se humanizar e chorar...chorar..chorar.

Quando finalmente nos damos alta,após uma fase em inércia, voltamos a realidade massacrante dos seres evoluídos.Não basta deixar a vida levar, tem que se levar a vida,mesmo que a mesma venha com acréscimos diários de dívidas,dúvidas e envolvidos.É isso.Chega o tempo de nos envolvermos com o “resto”novamente.

E não há de quê.

Sugestões serão sempre questionáveis.Não que eu ache que minhas opiniões estão livres de readaptações mil,de questionamentos mil – só tento exprimir o que funciona pra mim. Certo ou errado,absurdo ou prático, regredir e aprimorar na minha vida é como um ciclo sem fim.

E tem funcionado.

Use,se quiser (e se precisar).

domingo, 10 de junho de 2012

Doces despedidas

Viver se despedindo - o que consiste a vida.
À espera do que fica, vivemos nos despedindo.
A ilusão que a fé e crença nos traz de que algo permanecerá.
Não.
Mas sim.Continuar crendo é preciso.
Porque a vida não prossegue se não acharmos que construímos algo sólido o bastante,algo concreto o bastante pra permanecer.
Portanto Adeus.
Eu digo adeus aos livros que li,.
Adeus aos meus doces amores,aos meus antigos desejos.
Adeus aos que partem, adeus aos que hão de partir.
Adeus à vida que levava, às idéias que pensava.
À vida imensa.
Aos amigos que desfiz,
Aos antigos protagonistas da minha história.
Adeus às grandes histórias - e as tão pequenas que se foram.
Adeus ao futuro que não viverei - e aos que terei.
Ao infinito: digo Adeus.
Ao re-começo: Adeus.

Eu digo a Deus - Adeus.

E eu prossigo até quando a vida me permitir despedir.
Só desejando que eu não me canse.
Que não vire cansaço o que já é fatídico.
Que eu esteja sempre ali,disposta ao último afago.

Engasgo...mas continuo.

Porque de pedaços eu me construo (fragmentos do que se passa_

E no entanto, e portanto e enfim: vida é uma eterna despedida.
E quero que soe doce (antes que vire melancolia)
Que o que eu escrevo não é doloroso.
É só constatação.

Que fique claro: Não carregarei mágoas,
Não encerrarei a busca
nem viverei do que se foi.

O decreto fica
Que me despedirei de tudo desde o princípio.
E todos os abraços serão sempre os últimos,
E todo medo será desfeito,
E toda palavra será dita.

A porta estará sempre aberta.
Para os belos passageiros.
E hei sempre de acolhê-los (até a sua partida)


Para enfim deixá-los ir,
Docemente.




segunda-feira, 4 de junho de 2012

Deixe ir. Deixe estar.

Então é isso que nós temos pra hoje.
Ok. Eu já sabia que a vida prega peças na gente. Que de repente, você está no lugar oposto.
No lugar em que não achava que estaria mais.
E bem, isso é o que eu tenho pra hoje.
Há segundos atrás eu tinha grandes planos.Eu pensava realmente em perder alguns quilos,em ir pra Europa,em fazer trilhas, largar tudo pelo teatro,me casar a qualquer instante e ...
Eu já sabia que a vida tinha essa capacidade de tirar tudo de mim em segundos.
E eu sei que ela andou me avisando que isso ia acontecer - e eu tive sorte porque ela foi me tirando aos poucos.
Enfim, eu não tenho planos pra hoje,muito menos pra amanhã.
O que eu tenho, e mesmo sendo tão clichê ainda assim é o melhor que eu possuo agora.
Eu tenho o HOJE.
Amanhã eu tenho que acordar e prosseguir, e trabalhar, e tentar perder aqueles quilos, e juntar a grana pro carro, pra Europa...
Amanhã chega aquela aliança que eu havia encomendado naqueles segundos antes,naqueles segundos onde eu tinha planos de morrer de amor.
Amanhã eu vou ter que suportar.
Hoje eu tenho que suportar.


- Recomponha-se.


Vamos começar outra vez.

OK. As coisas não vão mudar.
Portanto trate de arranjar outros planos.
Enquanto não os possui,viva o que tiver pro dia.
Acorde,trabalhe,vá pra academia e cuide de se maltratar menos.
A aliança agora é um anel e vai compor bem com aquela tatuagem.Fica como lembrança dos segundos atrás.
Defina um valor por mês e junte sua grana. O resto...gaste, invista em algum pedacinho de felicidade.
Junte os cacos.Um por um - pacientemente.
Olhe lá pra frente. Não, eu disse lá pra frente.Na ponta do nariz você só vai ver vazio...mas se reparar que lá na frente o seu caminho faz uma curva tênue...
E pelo amor de Deus, aprenda a escrever algo menos melancólico.Por que não contar algo sobre aqueles seus amigos, ou sobre os finais felizes que você teve?
Por que não novas histórias?

Hora de ir pra cama Fernanda.Já é tarde pra se fazer algo hoje, amanhã você poderá tentar outra vez.
Só não desista.


Enfim.
As perguntas eu mesma me respondo.
Porque a solução mora dentro de nós.
E o que não tem solução deveria não morar mais.


Let it go.
Let it be.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Planos Divinos.


E se eu pedisse a Deus.
Se dissesse que agora eu quero ser uma
                                                 uma flor.
A flor que é macia,delicada e colorida.
E os espinhos que possui, só machucam as mãos sem costume, sem jeito.
Espinhos de flor não ferem mãos feitas de ternura.


E se eu pedisse a Deus.
Se dissesse que agora eu prefiro ser
                                       uma estrela.
Estrela que aos olhos dos meros mortais,
Irradia e aquece mesmo morta.

Mas se Deus me transformasse
                                      num diamante.
E fosse caro,belo,cortante.


                                        Seria eu enfim amada?

"Não" .
Deus disse que serei somente
                                       o que eu sou.

Sei que há flores, e estrelas, e diamantes
                                        a sua espera.
E sim, eu que me aceite assim
                                        como Deus quis.


Mas... espere .


No pouco que me resta,
Deus,por piedade
Me deixou as palavras
e um coração (que há de agir primeiro em defesa do amor próprio)

Pra te dizer que sim
Não me comparo às flores, estrelas e diamantes.
Entretanto,deles todos se vêem aos montes.

E igual a mim....
           Só eu mesma.

O encontro ao óbvio
será mais fácil.
O difícil será lidar
com o que se perdeu do único.


Mas Deus sabe o que faz.


E olhando daqui realmente eu vejo
O quanto você se parece com todas essas coisas que eu desejei ser
-um dia.

E eu fico.
Me aceitando assim como Deus quis
(degustando quem sabe do prazer de não me misturar)



Porque Deus sabe o que faz.

Eu vi o que ele fez.

-Foi só você quem não percebeu.



O homem da cabeça de papelão



João do Rio

No País que chamavam de Sol, apesar de chover, às vezes, semanas inteiras, vivia um homem de nome Antenor. Não era príncipe. Nem deputado. Nem rico. Nem jornalista. Absolutamente sem importância social.

O País do Sol, como em geral todos os países lendários, era o mais comum, o menos surpreendente em idéias e práticas. Os habitantes afluíam todos para a capital, composta de praças, ruas, jardins e avenidas, e tomavam todos os lugares e todas as possibilidades da vida dos que, por desventura, eram da capital. De modo que estes eram mendigos e parasitas, únicos meios de vida sem concorrência, isso mesmo com muitas restrições quanto ao parasitismo. Os prédios da capital, no centro elevavam aos ares alguns andares e a fortuna dos proprietários, nos subúrbios não passavam de um andar sem que por isso não enriquecessem os proprietários também. Havia milhares de automóveis à disparada pelas artérias matando gente para matar o tempo,cabarets fatigados, jornais, tramways, partidos nacionalistas, ausência de conservadores, a Bolsa, o Governo, a Moda, e um aborrecimento integral. Enfim tudo quanto a cidade de fantasia pode almejar para ser igual a uma grande cidade com pretensões da América. E o povo que a habitava julgava-se, além de inteligente, possuidor de imenso bom senso. Bom senso! Se não fosse a capital do País do Sol, a cidade seria a capital do Bom Senso!

Precisamente por isso, Antenor, apesar de não ter importância alguma, era exceção mal vista. Esse rapaz, filho de boa família (tão boa que até tinha sentimentos), agira sempre em desacordo com a norma dos seus concidadãos.

Desde menino, a sua respeitável progenitora descobriu-lhe um defeito horrível: Antenor só dizia a verdade. Não a sua verdade, a verdade útil, mas a verdade verdadeira. Alarmada, a digna senhora pensou em tomar providências. Foi-lhe impossível. Antenor era diverso no modo de comer, na maneira de vestir, no jeito de andar, na expressão com que se dirigia aos outros. Enquanto usara calções, os amigos da família consideravam-no umenfant terrible, porque no País do Sol todos falavam francês com convicção, mesmo falando mal. Rapaz, entretanto, Antenor tornou-se alarmante. Entre outras coisas, Antenor pensava livremente por conta própria. Assim, a família via chegar Antenor como a própria revolução; os mestres indignavam-se porque ele aprendia ao contrario do que ensinavam; os amigos odiavam-no; os transeuntes, vendo-o passar, sorriam.

Uma só coisa descobriu a mãe de Antenor para não ser forçada a mandá-lo embora: Antenor nada do que fazia, fazia por mal. Ao contrário. Era escandalosamente, incompreensivelmente bom. Aliás, só para ela, para os olhos maternos. Porque quando Antenor resolveu arranjar trabalho para os mendigos e corria a bengala os parasitas na rua, ficou provado que Antenor era apenas doido furioso. Não só para as vítimas da sua bondade como para a esclarecida inteligência dos delegados de polícia a quem teve de explicar a sua caridade.

Com o fim de convencer Antenor de que devia seguir os tramitas legais de um jovem solar, isto é: ser bacharel e depois empregado público nacionalista, deixando à atividade da canalha estrangeira o resto, os interesses congregados da família em nome dos princípios organizaram vários meetingscomo aqueles que se fazem na inexistente democracia americana para provar que a chave abre portas e a faca serve para cortar o que é nosso para nós e o que é dos outros também para nós. Antenor, diante da evidência, negou-se.

— Ouça! bradava o tio. Bacharel é o princípio de tudo. Não estude. Pouco importa! Mas seja bacharel! Bacharel você tem tudo nas mãos. Ao lado de um político-chefe, sabendo lisonjear, é a ascensão: deputado, ministro.

— Mas não quero ser nada disso.

— Então quer ser vagabundo?

— Quero trabalhar.

— Vem dar na mesma coisa. Vagabundo é um sujeito a quem faltam três coisas: dinheiro, prestígio e posição. Desde que você não as tem, mesmo trabalhando — é vagabundo.

— Eu não acho.

— É pior. É um tipo sem bom senso. É bolchevique. Depois, trabalhar para os outros é uma ilusão. Você está inteiramente doido.

Antenor foi trabalhar, entretanto. E teve uma grande dificuldade para trabalhar. Pode-se dizer que a originalidade da sua vida era trabalhar para trabalhar. Acedendo ao pedido da respeitável senhora que era mãe de Antenor, Antenor passeou a sua má cabeça por várias casas de comércio, várias empresas industriais. Ao cabo de um ano, dois meses, estava na rua. Por que mandavam embora Antenor? Ele não tinha exigências, era honesto como a água, trabalhador, sincero, verdadeiro, cheio de idéias. Até alegre — qualidade raríssima no país onde o sol, a cerveja e a inveja faziam batalhões de biliosos tristes. Mas companheiros e patrões prevenidos, se a princípio declinavam hostilidades, dentro em pouco não o aturavam. Quando um companheiro não atura o outro, intriga-o. Quando um patrão não atura o empregado, despede-o. É a norma do País do Sol. Com Antenor depois de despedido, companheiros e patrões ainda por cima tomavam-lhe birra. Por que? É tão difícil saber a verdadeira razão por que um homem não suporta outro homem!

Um dos seus ex-companheiros explicou certa vez:

— É doido. Tem a mania de fazer mais que os outros. Estraga a norma do serviço e acaba não sendo tolerado. Mau companheiro. E depois com ares...

O patrão do último estabelecimento de que saíra o rapaz respondeu à mãe de Antenor:

— A perigosa mania de seu filho é por em prática idéias que julga próprias.

— Prejudicou-lhe, Sr. Praxedes?

Não. Mas podia prejudicar. Sempre altera o bom senso. Depois, mesmo que seu filho fosse águia, quem manda na minha casa sou eu.

No País do Sol o comércio ë uma maçonaria. Antenor, com fama de perigoso, insuportável, desobediente, não pôde em breve obter emprego algum. Os patrões que mais tinham lucrado com as suas idéias eram os que mais falavam. Os companheiros que mais o haviam aproveitado tinham-lhe raiva. E se Antenor sentia a triste experiência do erro econômico no trabalho sem a norma, a praxe, no convívio social compreendia o desastre da verdade. Não o toleravam. Era-lhe impossível ter amigos, por muito tempo, porque esses só o eram enquanto. não o tinham explorado.

Antenor ria. Antenor tinha saúde. Todas aquelas desditas eram para ele brincadeira. Estava convencido de estar com a razão, de vencer. Mas, a razão sua, sem interesse chocava-se à razão dos outros ou com interesses ou presa à sugestão dos alheios. Ele via os erros, as hipocrisias, as vaidades, e dizia o que via. Ele ia fazer o bem, mas mostrava o que ia fazer. Como tolerar tal miserável? Antenor tentou tudo, juvenilmente, na cidade. A digníssima sua progenitora desculpava-o ainda.

— É doido, mas bom.

Os parentes, porém, não o cumprimentavam mais. Antenor exercera o comércio, a indústria, o professorado, o proletariado. Ensinara geografia num colégio, de onde foi expulso pelo diretor; estivera numa fábrica de tecidos, forçado a retirar-se pelos operários e pelos patrões; oscilara entre revisor de jornal e condutor de bonde. Em todas as profissões vira os círculos estreitos das classes, a defesa hostil dos outros homens, o ódio com que o repeliam, porque ele pensava, sentia, dizia outra coisa diversa.

— Mas, Deus, eu sou honesto, bom, inteligente, incapaz de fazer mal...

— É da tua má cabeça, meu filho.

— Qual?

— A tua cabeça não regula.

— Quem sabe?

Antenor começava a pensar na sua má cabeça, quando o seu coração apaixonou-se. Era uma rapariga chamada Maria Antônia, filha da nova lavadeira de sua mãe. Antenor achava perfeitamente justo casar com a Maria Antônia. Todos viram nisso mais uma prova do desarranjo cerebral de Antenor. Apenas, com pasmo geral, a resposta de Maria Antônia foi condicional.

— Só caso se o senhor tomar juízo.

— Mas que chama você juízo?

— Ser como os mais.

— Então você gosta de mim?

— E por isso é que só caso depois.

Como tomar juízo? Como regular a cabeça? O amor leva aos maiores desatinos. Antenor pensava em arranjar a má cabeça, estava convencido.

Nessas disposições, Antenor caminhava por uma rua no centro da cidade, quando os seus olhos descobriram a tabuleta de uma "relojoaria e outros maquinismos delicados de precisão". Achou graça e entrou. Um cavalheiro grave veio servi-lo.

— Traz algum relógio?

— Trago a minha cabeça.

— Ah! Desarranjada?

— Dizem-no, pelo menos.

— Em todo o caso, há tempo?

— Desde que nasci.

— Talvez imprevisão na montagem das peças. Não lhe posso dizer nada sem observação de trinta dias e a desmontagem geral. As cabeças como os relógios para regular bem...

Antenor atalhou:

— E o senhor fica com a minha cabeça?

— Se a deixar.

— Pois aqui a tem. Conserte-a. O diabo é que eu não posso andar sem cabeça...

— Claro. Mas, enquanto a arranjo, empresto-lhe uma de papelão.

— Regula?

— É de papelão! explicou o honesto negociante. Antenor recebeu o número de sua cabeça, enfiou a de papelão, e saiu para a rua.

Dois meses depois, Antenor tinha uma porção de amigos, jogava o pôquer com o Ministro da Agricultura, ganhava uma pequena fortuna vendendo feijão bichado para os exércitos aliados. A respeitável mãe de Antenor via-o mentir, fazer mal, trapacear e ostentar tudo o que não era. Os parentes, porem, estimavam-no, e os companheiros tinham garbo em recordar o tempo em que Antenor era maluco.

Antenor não pensava. Antenor agia como os outros. Queria ganhar. Explorava, adulava, falsificava. Maria Antônia tremia de contentamento vendo Antenor com juízo. Mas Antenor, logicamente, desprezou-a propondo um concubinato que o não desmoralizasse a ele. Outras Marias ricas, de posição, eram de opinião da primeira Maria. Ele só tinha de escolher. No centro operário, a sua fama crescia, querido dos patrões burgueses e dos operários irmãos dos spartakistas da Alemanha. Foi eleito deputado por todos, e, especialmente, pelo presidente da República — a quem atacou logo, pois para a futura eleição o presidente seria outro. A sua ascensão só podia ser comparada à dos balões. Antenor esquecia o passado, amava a sua terra. Era o modelo da felicidade. Regulava admiravelmente.

Passaram-se assim anos. Todos os chefes políticos do País do Sol estavam na dificuldade de concordar no nome do novo senador, que fosse o expoente da norma, do bom senso. O nome de Antenor era cotado. Então Antenor passeava de automóvel pelas ruas centrais, para tomar pulso à opinião, quando os seus olhos deram na tabuleta do relojoeiro e lhe veio a memória.

— Bolas! E eu que esqueci! A minha cabeça está ali há tempo... Que acharia o relojoeiro? É capaz de tê-la vendido para o interior. Não posso ficar toda vida com uma cabeça de papelão!

Saltou. Entrou na casa do negociante. Era o mesmo que o servira.

— Há tempos deixei aqui uma cabeça.

— Não precisa dizer mais. Espero-o ansioso e admirado da sua ausência, desde que ia desmontar a sua cabeça.

— Ah! fez Antenor.

— Tem-se dado bem com a de papelão? — Assim...

— As cabeças de papelão não são más de todo. Fabricações por séries. Vendem-se muito.

— Mas a minha cabeça?

— Vou buscá-la.

Foi ao interior e trouxe um embrulho com respeitoso cuidado.

— Consertou-a?

— Não.

— Então, desarranjo grande?

O homem recuou.

— Senhor, na minha longa vida profissional jamais encontrei um aparelho igual, como perfeição, como acabamento, como precisão. Nenhuma cabeça regulará no mundo melhor do que a sua. É a placa sensível do tempo, das idéias, é o equilíbrio de todas as vibrações. O senhor não tem uma cabeça qualquer. Tem uma cabeça de exposição, uma cabeça de gênio, hors-concours.

Antenor ia entregar a cabeça de papelão. Mas conteve-se.

— Faça o obséquio de embrulhá-la.

— Não a coloca?

— Não.

— V.EX. faz bem. Quem possui uma cabeça assim não a usa todos os dias. Fatalmente dá na vista.

Mas Antenor era prudente, respeitador da harmonia social.

— Diga-me cá. Mesmo parada em casa, sem corda, numa redoma, talvez prejudique.

— Qual! V.EX. terá a primeira cabeça.

Antenor ficou seco.

— Pode ser que V., profissionalmente, tenha razão. Mas, para mim, a verdade é a dos outros, que sempre a julgaram desarranjada e não regulando bem. Cabeças e relógios querem-se conforme o clima e a moral de cada terra. Fique V. com ela. Eu continuo com a de papelão.

E, em vez de viver no País do Sol um rapaz chamado Antenor, que não conseguia ser nada tendo a cabeça mais admirável — um dos elementos mais ilustres do País do Sol foi Antenor, que conseguiu tudo com uma cabeça de papelão.

João do Rio foi o pseudônimo mais constante de João Paulo Emílio Coelho Barreto, escritor e jornalista carioca, que também usou como disfarce os nomes de Godofredo de Alencar, José Antônio José, Joe, Claude, etc., nada ou quase nada escrevendo e publicando sob o seu próprio nome. Foi redator de jornais importantes, como "O País" e "Gazeta de Notícias", fundando depois um diário que dirigiu até o dia de sua morte, "A Pátria". Contista romancista, autor teatral (condição em que exerceu a presidência da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, tradutor de Oscar Wilde, foi membro da Academia Brasileira de Letras, eleito na vaga de Guimarães Passos. Entre outros livros deixou "Dentro da Noite", "A Mulher e os Espelhos", "Crônicas e Frases de Godofredo de Alencar", "A Alma Encantadora das Ruas", "Vida Vertiginosa", "Os Dias Passam", "As religiões no Rio" e "Rosário da Ilusão", que contém como primeiro conto a admirável sátira "O homem da cabeça de papelão". Nascido no Rio de Janeiro a 05 de agosto de 1881, faleceu repentinamente na mesma cidade a 23 de junho de 1921.

O texto acima foi extraído do livro "Antologia de Humorismo e Sátira", organizada por R. Magalhães Júnior, Editora Civilização Brasileira — Rio de Janeiro, 1957, pág. 196

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Fragmentos - O soldadinho de Chumbo e a Bailarina.


"Todos os soldados se pareciam exatamente uns com os outros, exceto um, que não possuía uma perna, porque o tinham posto na fôrma em último lugar, e já não havia chumbo suficiente. Apesar deste defeito, os outros não se firmavam melhor em duas pernas do que ele na sua única.
Sobre a mesa em que os nossos soldados estavam formados havia outros brinquedos; mas o mais bonito de todos era um lindíssimo castelo de cartolina.Tudo  era encantador, mas não tanto como uma menina à porta, e  que era também de cartolina, com um lindo vestido de cassa, apertado por um cinto de fivela azul. A menina apresentava os braços arqueados, porque era dançarina, e uma  perninha  levantada a tal altura que o soldado de chumbo não a podia ver, e imaginou que, como ele, não teria senão uma perna.
"Ali está a mulher que me convém", pensou, "mas é uma grande fidalga. Mora num palácio, eu em uma caixa em companhia de vinte e quatro camaradas; e aqui  não haveria lugar para ela. No entanto, preciso conhecê-la."
Os únicos que estavam quietos eram osoldado de chumbo e a dançarinazinha - ela no bico do pé, ele numa perna só,a espreitá-la.
Deu meia-noite, e zás! a tampa da caixa de charutos levanta-se, e saiu um feiticeirozinho vestido de preto. Enciumado, ele viu como o soldadinho olhava embevecido para a dançarina.
- "Soldadinho de chumbo", disse o feiticeiro, "trata de olhar para outro lado."Mas o soldado fez que não ouvia.
No dia seguinte, quando os pequenos se levantaram, puseram o soldado de chumbo à janela; mas, de repente, ou por influência do feiticeiro ou por causado vento, caiu à rua de cabeça para baixo.
A chuva começou a cair em torrentes, e transformou-se em verdadeiro dilúvio.
Depois do aguaceiro passaram dois garotos.- "Olá!", disse um deles, "um soldadinho de chumbo por aqui! Vamos fazê-lo navegar."
Construíram um barco com um pedaço de jornal velho, meteram o soldado de chumbo dentro, e obrigaram-no a descer pelo regato abaixo. O barco lançou-se sobre a queda d'água, e o pobre soldado firmava-se o mais possível, e ninguém se atreveria a dizer que o tinha visto fechar os olhos com medo.
Nesse momento supremo, pensou na gentil dançarina, e pareceu-lhe ouvir uma voz que dizia:- "Soldado, o perigo é enorme, a morte espera-te."O papel rasgou-se, e o soldado passou através dele. Nesse momento foi devorado por um grande peixe.
Após todo o ocorrido,o peixe foi pescado, exposto na feira, vendido, levado para a cozinha, e a cozinheira abriu-o com uma enorme faca. Pegou no soldado de chumbo com dois dedos, e levou-o para a sala, onde toda gente quis admirar esse homenzinho extraordinário, que tinha viajado na barriga de umpeixe.Entretanto, o soldado não se sentia orgulhoso. Colocaram-no em cima da mesa, e ali - tanto é verdade que acontecem coisas extraordinárias neste mundo - achou-se na mesma sala, de cuja janela havia caído. Reconheceu os pequenos e os brinquedos que estavam em cima da mesa, o lindo palácio, e a adorável dançarina sempre de perna no ar.
O soldadinho de chumbo ficou tão comovido, que de boa vontade teria derramado lágrimas de chumbo; mas isso não seria decente. Olhou para ela,ela olhou para ele, mas não disseram uma palavra ao outro.
De repente, um dos pequenos pegou nele e, sem motivo algum, atirou-o no fogo; eram obras do feiticeiro da caixa de charutos.O soldadinho de chumbo lá estava perfilado, iluminado por um clarão sinistro,e sofrendo um calor terrível. Todas as cores lhe tinham desaparecido, sem que se pudesse dizer se era por causa de suas viagens, ou por causa de seus desgostos. Continuava a olhar para a dançarina, que também olhava para ele.Sentia-se derreter, mas, sempre corajoso, conservava a espingarda ao ombro na atitude marcial.De repente, abriu-se uma porta e um golpe de vento arremessou a dançarina ao fogo, para junto do soldado, que apareceu no meio das labaredas. O soldadinho de chumbo não era mais que uma pequena massa informe. 
No dia seguinte, quando a criada veio limpar a lareira, ficou espantada ao encontrar um pequeno coração de chumbo com uma fivelinha azul."

 Hans Christian Andersen










 *Pequenas Análises ...
Uma narrativa sobre um grande amor entre o Soldadinho de Chumbo e a Bailarina.
Além do amor, trata-se de um conto sobre ética,diferenças culturais,identidade e aceitação das diferenças.
Seus personagens são brinquedos,representando a impotência das crianças incompreendidas e cheias de desejos que ninguém escuta.
Simbolicamente o chumbo representa o peso da individualidade incorruptível.Para a transmutação do chumbo em ouro,os alquimistas buscavam metaforicamente desprender-se das limitações individuais,para atingir os valores coletivos e universais.
 O soldadinho ao ser retirado da barriga do peixe, seria como o renascimento do personagem.
A morte do soldadinho e da bailarina seria como uma transformação, pois somente nesse momento que os dois conseguem ficar unidos.Da união surge um coração significando o amor  infinito.


quinta-feira, 24 de maio de 2012

Na hora de partir.

Tenho apenas algumas horas.
Depois disso eu vou partir.
Deixei minhas malas dentro do carro - só pra garantir.
O resto eu levo depois.

Meu coração fica.

Vamos aproveitar as poucas horas que nos restam.
Você mostra a palma da sua mão,
Eu mostro o que carrego dentro dos bolsos.
Por fim nos tocaremos.

Os olhos ficam.

Eu direi o que me falta dizer.
Você diz o que te deixei faltar.
Não precisaremos de muitas palavras,fique tranquilo.
Gastamos todas as outras horas com elas,lembra?
Apenas olhe o que restou.

A boca fica.

Agora abra essa janela,por favor.
E me abrace porque sinto frio e calor ao mesmo tempo - pela última vez.
Me olhe e admire o que ainda ficou.

Meu relógio.Fica.

E agora eu preciso apanhar minhas malas naquele carro.
Decidi ir caminhando.
O peso da bagagem não há de pesar mais do que sobrou em mim -será um alento,uma distração.
E vou,sim, eu vou andando.
Arriscarei alguns passos sozinha.

Você pode ficar com o meu passado .

Fica se quiser.

Porque eu vou.



segunda-feira, 21 de maio de 2012

Tributo a sua ausência.

Já se passaram cinco anos e eu mal tive notícias suas.
Passei o olho em algumas fotografias - houveram outros amores, eu sei.
Percebi que seu gosto mudou e que suas idéias já são outras.

Mas o amor...demora.

Sei que já são cinco anos.
Mas eu ainda me lembro de todas as suas palavras.
Inclusive, escrevi suas palavras no meu caderno e as uso pra falar sobre amor e outras dores.
Gravei o timbre da sua voz e o procurei em outras bocas.
Aqueles sons ainda me provocam qualquer coisa - e ainda me pego repetindo seus versos (em uma tentativa frustrada de dar aquela mesma entonação) .

Mas jamais haverá outras bocas.
E não adianta procurá-lo em outros timbres.

O nosso reencontro ontem me fez constatar o quanto você sempre será insubstituível.
Ouvi e repeti todas as suas palavras como se fossem preces.
Repetia alto,na esperança que você vibrasse com a minha presença - vibrasse na mesma frequência.

Reconheci no seu tom a dor em mim guardada.
Reconheci nos seus versos os meus desejos ainda latentes
Percebi nos meus gestos as mesmas respostas.

O amor demora porque ainda se ama - mesmo em face a sua ausência.

Ainda alimento secretas esperanças - sobre aqueles nossos antigos encontros periódicos...
Iria onde quer que fosse só pra escutar seus devaneios.
Adoraria gravar no meu caderno seus novos versos (seus novos amores também seriam meus).
E eu levaria esse meu amor demorado até as últimas consequências.

Porque eu juro que tentei substituí-lo.
Briguei contra as minhas secretas esperanças -desfiz delas temporariamente.
E repeti outros versos  e idéias opostas às suas - na eterna tentativa de arranjar alguém pra me consolar.

Mas...veja bem meu bem.
Até hoje, o único que ocupou o seu lugar...
Foi a saudade.

E a solidão deixa o coração nesse leva e trás...

* Para Los Hermanos, com amor.



quinta-feira, 19 de abril de 2012

Aquela garota.

Passei por multidões até encontrá-la.

Quis passar desapercebida-não deu.
Ela quis desfazer das semelhanças - não deu.

Foi inevitável o início de algo concreto - independente de outros amores.

Independente de tudo e todos.

É como enfrentar o espelho a cada encontro. Nela vejo refletida até o que me é desagradável - o que em mim é desagradável.Nela é qualidade.
Uma sintonia entre dois mundos. Parece um cérebro compartilhado em dois corpos tão distintos.

Impressionante como o encontro de almas se faz em meio ao improvável.

Antes aquela garota, amiga do Pedro. Agora é nossa, é minha, sou eu.
Antes um encontro.Agora deleite.
Antes parte.Agora meio.

Parte dela mora em mim - e parte minha agradece.
Outra parte... também.

Surpreendente é continuar me surpreendendo,mesmo em face ao tempo,aos problemas, aos desencontros.

Em face a vida, faz-se luz.

Aquela garota...a nossa, a minha, aquela que sou eu...

Foi o melhor presente que o presente me deu.

Thanks,cacá.





Indagações sobre vírgulas,pontos e etcéteras (aprenda a conviver com meus textos)

Não boto ponto final pra concluir uma frase.
Eu boto ponto pra dar um respirada.
A vírgula é porque eu falo pausadamente - as vezes eu pauso demais, eu sei.

E assim vai.

Páragrafo onde não tem, serve apenas como reticências.
Assuntos diversos num mesmo contexto, sem exigir iniciar outra frase - as vezes eu atropelo demais,eu sei.

Pular linha duas vezes, é pensando em quem lê. É pensando em mim,na maioria das vezes,porque as vezes só eu que leio mesmo. O "pulo" é uma respirada profunda,uma fórmula contra enjôo.

Traço é sempre fazendo referência a algo- explicações à parte, justificar a frase.

E os três pontos...adoro três pontos... dá uma suavizada...uma leveza... assim como eu gostaria que meus textos fossem.

Enfim.

Eu sei sobre minhas obrigações. Sei que existem padrões e etcéteras.

Por isso peço licença.

Pra escrever da forma que eu sinto, do jeito que vem, sem ler duas vezes. Peço licença pra minha incontinência verbal.
Deixa eu cuspir as palavras.Deixa eu ditar um tom, pelo menos sobre o que eu escrevo.

Agora sai da frente, por favor.

Me deixa pecar pelo excesso.













Obs: Sobre os erros ortográficos...não. Eles não são propositais.
Por eles, peço desculpas.

terça-feira, 10 de abril de 2012


Eu não me entendo bem com o meu corpo.
E não consigo entendê-lo,na verdade.
Se ele pede banho - eu dou
Se ele pede capricho - eu me dedico
Se ele pede repouso - eu sou só seu.

Por mais que a mente queira tudo, sempre, sempre ao contrário.
Eu obedeço o corpo.

Comigo a mente nunca tem vez.
Acho ela um fardo muito grande pra se carregar.
Muito trabalho pra manter.
Eu a sossego com doses de ilusão.
Neosa-rivo-breja.
Três paliativos infalíveis.

Já o corpo...ah...o corpo.
Sempre me entrego.
Eu o banho,o acaricio,o mimo.
Dou-lhe roupas, perfumes, endorfina.
E ainda, ai de mim, exijo que os mais próximos o aprecie, respeite e se possível...lhe encha de prazeres e carícias mil.

Entretanto já não é muito de troca que a mente sobrevive.
Claro que eu a alimento de ideias imundas, livros infames, pensamentos destrutivos.
O meu olhar já se encarrega de transbordar conhecimento todos os dias.
Mas confesso, não a divido. Compartilhar o que tem dentro dela...não faz sentido algum.

Mas aí é que tá.

O questionamento nasceu no momento em que me olhei no espelho.

Lá eu vi que meu corpo é meu amor não correspondido.
Vi imperfeições nos lugares que tanto me dediquei.
Ele não me retribui o carinho diário, o apreço e o cuidado.
Sente fome, come, mas mostra que na verdade eu não deveria alimenta-lo- o preço que se paga é em kilos.

O preço que se paga é revestido em inflamações, indigestões e acnes. O investimento é sempre injusto e pequeno - cobra ele.

Ok. O amor é privação-já me disseram.

Dai nasce o momento em que se olha pra dentro.
Lá eu busco a mente - a solitária mente.
Essa sim, vive tentando me converter,me resgatar de todos os males que eu sempre busquei no impulso.
A mente me adianta o imprevisível, me indica aqueles melhores caminhos, as melhores pessoas.
É dolorosa, eu sei.
Mas ela não me abandona.
E ela que então me olha no espelho e que busca com sinceridade me mostrar o que é o amor.
"Ele mora atrás dos olhos" - ela me diz.

E eu me divido.
Porque a mente e o corpo não se bicam.
Penso logo em acordos, mas o pensar já me distancia do corpo, e quando penso em agir, a ação me distancia da mente.

A vida aqui dentro é um eterno martírio.
Mas é um prazer me afundar nesses delírios todos.
Nessas contradições que me fazem levar o título de humana.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Saudosa Elis, Elis querida.

Neste domingo ,ouvi a serra do curral cantar.
Ecoava uma voz familiar por entre as montanhas,embaixo de um céu "azulzin".
Tudo conspirava pra um encontro lindo.
Entrando no parque,um caminho de luz. O som parecia vir lá do alto. Mas o palco tava era ali num canto, num lugar que de forma alguma fazia jus a homenagem que se prestaria.
Aquela voz não cabia lá.A emoção também não.
É a vida ensinando pra gente que o que vai embora é mesmo só o corpo. O som ainda ecoava por entre as montanhas, as sensações tão latentes, mesmo depois de 30 anos sem Elis.
O legado foi pra Maria Rita. Ela pigarreou - eu percebi. A voz parecia entalada, porque dali voz e emoção não davam conta de saírem juntos. Ela cantava,emocionada,com os olhos sempre voltados pra cima.
Um misto de música e prece se fez presente tanto no palco,quanto na platéia. 9 mil pessoinhas envolvidas num corrente de oração e voz.Saudosa Elis, Elis querida.
Quando fechava os olhos,me sentia em outra dimensão. A voz não era da intérprete. A voz que saía da filha não pertencia a ela. Elis tava ali, e o céu foi testemunha.
Eu particularmente gostei foi das olhadelas na partitura. A imensa vontade de fazer jus a cada palavra produzida pela mãe, na entonação exata, no tempo certo...era tudo vontade de não representá-la.O que a define como artista de verdade,na minha opinião. Ela nunca quis tomar o lugar da mãe. Ela nunca quis sequer ser comparada - por mais semelhante na competência e na fisionomia- ela quis ser o tempo todo somente a filha orgulhosa,agradecida,enaltecida.
Em suas vestes brancas, linda, serena, completamente dominada pela emoção, era só luz.
E as bolhinhas de sabão colaboravam pro contexto lúdico.
Ora Maria,ora Rita, ora Filha, ora Elis.
Era tudo feito de alma.