quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Amor e tamborim

Assim que o ano nasce, com ele desperta toda a euforia e encanto.
Que vive nela, dentro dela, em Maria.
Logo janeiro desabrocha, e ela já calça suas sapatilhas gastas, porém resistentes
a dois ou mais  janeiros,
a dois  fevereiros
até o início do último março.
"As sapatilhas têm vida própria ou são como amuleto  . Basta calçá-las pra magia acontecer. Os pés simplesmente não se cansam e simplesmente não tocam o chão, até chegar a quarta feira de cinzas."
É o que sempre escuto de Maria, toda vez que a encontro com suas sandalhinhas de trapos, encardidas de festa.
Ela sempre me convence, afinal.
Mas Maria só repete sapatilha. No resto ela inova. Parece que ela vive pra viver de começo de ano,enfim.
Encontrei com ela num dia desses , e lhe perguntei sobre as novidades. Ela me veio com o papo de carnaval, que é o que sempre faz brotar sorriso naquele rosto.Disse que esse ano ela passa vestida de beija-flor, boneca de pano, pirata e julieta. Diz que aprendeu tamborim pra tocar em bloco, e que desse ano não passa, que nesse carnaval ela encontra um grande amor.
Dessa vez, Maria me surpreendeu, porque nunca vi Maria falando de amor nem de tamborim.
Todo ano bastava fantasia e confete.
Era ela saltando de um lado pro outro,
com sapatilha de remendo,
meia calça desfiada.
Nem beber ela bebia, pra não perder detalhe nem de cor. nem de fantasia. nem de gente.

-Amor de verdade, Maria? No carnaval?E agora tamborim?!Maria...- Questionei,enfim.
E veio Maria, com sorriso que já virou flor, me dizendo que se fantasiar e jogar confete, pra ela, já não bastava. Tinha que entender do que era feito tudo aquilo, todo aquele encanto, euforia e magia que tirava seus pés do chão.E foi buscar no ritmo , na sequência , no embalo.
E foi exatamente nesse mesmo ritmo, nessa mesma sequência, nesse mesmo embalo, que pôde prever a chegada do amor.
No instante em que os remendos de suas sapatilhas se desfizessem -o que ja era previsto acontecer até a ultima terça-feira de folia,
e as cinzas de quarta silenciassem todo e qualquer batuque,
saberia que assim como seu coração cansado, haveria um outro necessitando desse mesmo alento que todo fim de momento bonito causa. E Maria estaria por perto, com novos propósitos, pra compartilhar o resto do seu 87º ano com esse outro alguém...
(Parece que agora ela quer viver de vida inteira,enfim.Com ou sem sapatilha, com ou sem fantasia, de amor e de tamborim...)

Nenhum comentário: